quarta-feira, maio 8

Água de salsicha

   Mais 4 dias e fará um mês que eu me demiti do último emprego. O dinheiro acabou, mas as dívidas não. Ainda não fui capaz de encontrar um novo emprego. Quer dizer, encontrar eu encontrei, só não me contrataram =).
   De inicio eu queria mesmo era tirar uns dias de férias, e consegui! Estou a um par de dias sem fazer nada. Quer dizer, estou fazendo mil coisas, mas nenhuma envolve chegar pontualmente no trabalho e trabalhar para outras pessoas. Fui à algumas entrevistas de emprego e ainda estou agurdando o retorno deles.
   A real é que hoje, incrivelmente HOJE eu estou me sentindo ser mais inútil da face da Terra. Não tenho um emprego e sinceramente eu estou com medo, mas muito medo mesmo de iniciar em outro. É como se eu não soubesse mais cozinhar. Fui a uma entrevista ontem e o chef me perguntou que doces eu sabia fazer e eu fiquei calada. Que doces eu sei fazer mesmo? Eu senti como se nunca tivesse feito um doce na vida. Olhei minha tatuagem e não entendi o motivo pelo qual ela estava ali. E fiquei olhando o chef sem saber o que responder até ele citar alguns doces e eu responder que sabia executá-los. Eu sequer lembro dos doces que ele citou.
   Hoje eu senti uma angústia tão grande (e não passou ainda, risos) dentro de mim que não estou conseguindo pensar direito. Quer dizer, acho que por pensar demais cheguei à esta angústia. Lutar por uma esquerda em um dos países mais reacionários do mundo é como dizer às formigas que elas não devem entrar no açucareiro, pois ele é de meu consumo e eu não costumo consumir formigas no meu café. Ser revolucionário é mais do que querer falar apenas com palavras que ninguém mais vai entender; ser revolucionário é querer a mudança, lutar por ela!
   Um outro fato que me ocorreu nesta semana foi interessante. Já é comum me chamarem de burguesa. Que culpa EU tenho se meu avô comprou um terreno que não valia nada em um bairro afastado que, na época, nem rua tinha? Que culpa EU tenho se minha mãe soube administrar o salário de merda de professora que ela sempre teve e hoje tem todo o patrimônio que tem? Aliás, ELA tem esse patrimônio! Eu nem carteira de motorista tenho! Enfim, se ser loira de olhos azuis e pele branca e usar roupas bonitas que vieram de brechós e morar com os pais pois nem emprego tem, é sinônimo de burguesia, então sou burguesa. Mas não é isso que eu queria falar... Fui deixar um currículo em uma padaria para auxiliar de padeiro e segue o diálogo que eu tive com a caixa da padoca:
(eu): Boa noite! E queria saber se vocês estão precisando de auxiliar de padeiro...
(caixa): Olha, por enquanto não moça, nóis tá é precisando de balconista memo
- Bom, tudo bem... mas será que eu posso deixar um currículo contigo?
- Pode sim!
Entreguei o meu currículo e ela deu uma passada de olho nele e arregalou os olhos, me mirando:
- A vaga é pra você mesmo?
(Dei um sorriso meio espantado) É sim...
- Mas VOCÊ mexe com pão?
Nesse momento, sabe uma propaganda em que o cara coloca o lanche no microondas e basicamente o slogan é "se você tivesse os três minutos que o nosso lanche fica pronto pra pensar no que responder em situações complicadas", eu me vi nessa propaganda. Pensei em dar uma resposta irônica, me utilizar de sarcasmo ou perguntar qual o motivo da pergunta dela se no meu curriculo diz que sou formada em cozinha e se tinha algum problema uma mulher de 20 anos querer ser padeira. Mas respondi com um singelo
- Sim, eu sou formada nisso. Tenha uma boa noite.
   Até agora ainda não acredito na indignação na face da caixa ao saber que eu queria uma vaga de auxiliar de padeiro. E o problema é que agora nem isso eu acho que quero mais. Cheguei a um estado de nulidade absoluta, onde sinto que nem lavar uma louça eu sei direito. Parece que voltei a ser um feto e não conheço mais nada do mundo. É um medo enorme de não dar conta do trabalho ou não conseguir um emprego. Sentir-se um ser totalmente inútil ou alienada porque a sociedade não lhe comporta. Não tenho mais amigos em Atibaia e em lugar algum, pra ser bem honesta. Notei que bastou eu mudar definitivamente minha visão política e muito se afastaram, como se não me conhecessem. Muito prazer, meu nome é Júlia e eu me formei a pouco como cozinheira. Não tenho esperança na humanidade mas acho que posso tentar fazer algo para mudá-la. A verdade é que eu sou uma sonhadora. Sonho com dias melhores, pessoas mais centradas e menos alienadas. Sonho com políticos corretos e governos produtivos. Sonho com uma sociedade repleta de cultura de verdade, de pessoas inteligentes. Sonho com respeito, igualdade, liberdade, democracia. Eu sonho... Sou feita de sonhos impossíveis e estou correndo para tentar torna-los possíveis, palpáveis.
   Filhos únicos são únicos porque são a própria família. Filhos únicos são únicos porque, um dia, serão (mais) solitários. Filhos únicos são únicos porque seus pais tiveram uma única chance de serem pais, o que não lhes dava o direito de errar.
   Hoje, e espero que seja só hoje, estou me sentindo tão útil quanto a água que a salsicha foi cozida.

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